Reinaldo

Graciliano revisitado

TV SENADO PERDE CHANCE DE COLOCAR ESCRITOR NO SEU VERDADEIRO LUGAR, O TOPO DA LITERATURA MUNDIAL

O programa levado ao ar ontem, 27, pela Tv senado para comemorar os 70 anos de Vidas Secas, perdeu uma grande oportunidade de colocar o romancista alagoano Graciliano Ramos (foto) no seu verdadeiro lugar, ou seja, o topo da literatura mundial, ao lado de nomes como o de Marcel Proust(francês), Stendhal(francês), Leon Tostoi(russo), Mayakóvski(russo), Ernest Hermingwey (norte-americano) Gabriel Garcia Marques (colombiano).

Quem conhece a obra de Graciliano Ramos percebeu, de cara, a pobreza da pauta| (roteiro) dos depoimentos postos no ar. A impressão transmitida é de que nenhum dos convidados leu a obra do mestre Graça. Se tanto, talvez tenham lido Caetés ou Vidas Secas, o mais famoso deles pelo relato comovente da saga de uma família de quatro nordestinos fugindo da seca ao lado de sua pequena cachorra Baleia.

Até o imortal Ledo Ivo entra nesse rol, justamente ele que tem a obrigação de conhecer visceralmente a gigantesca criação literária de Graciliano.

Alguém poderá reclamar dessas observações e resmungar: meu depoimento foi editado com cortes.

PECADOS CAPITAIS

Se assim foi, culpa do editor do programa. Demorou para levá-lo ao ar e quando o fez veio cheio de pecados capitais imperdoáveis. Que podem ser consertados com outro programa mais didático, amplo e com uma pauta feita por quem entende da obra. Dica: a professora de literatura brasileira na França, Eliana Viana Bueno, que escreveu tese inédita sobre facetas desconhecidas da literatura do Graça na conclusão do seu doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro há 17 anos.

Curiosamente, a tese da Eliana ainda está inédita, não é Leila Pereira?

Isso a TV senado fica devendo ao seu restrito público. Se for levada ao senador-escritor-imortal José Sarney será imediatamente aprovada.

A primeira grande inverdade veiculada do programa produzido e editado pelo jornalista Maurício Melo Junior e trilha sonora de Assis Medeiros foi informar que Graciliano Ramos era do Partido Comunista. Essa versão é da repressão da ditadura Getúlio Vargas. Como a obra dele trouxe como eixo a questão social, a fome dos nordestinos perseguidos pela miséria embutida como marca do sistema agrário concentrador de terras e renda resistente até hoje, as elites políticas de Alagoas e do país logo estigmatizaram sua obra de “comunista” – estigma reproduzido vergonhosamente por depoimentos editados no programa.

Eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927 para um mandato de dois anos(28-30), Graciliano nem concluiu o período, chateado com a inutilidade da função pois não tinha recursos para fazer as obras exigidas pela população, e um relatório que fez sobre isso obteve uma repercussão nacional tão grande a ponto de despertar o interesse do editor Augusto Frederico Schmidt, do Rio de Janeiro, para onde foi levado, bem depois, preso sob acusação de ser comunista, em 1938.Antes passou pela Secretaria estadual de Educação como diretor do departamento de Ensino.

Essa cadeia lhe valeu o clássico Memórias de Cárcere. Mas antes dele vieram São Bernardo, Infância e as traduções de dois romances de autores notáveis,na época, A peste, de Albert Camus, e Memórias de um negro, de Bokes Washington.

Graça sempre foi um autodidata: até o francês e o inglês aprendeu sozinho.

O grande destaque que torna a obra de Graça atual é a questão agrária, aspecto absolutamente ignorado nos depoimentos. No romance São Bernardo, a presença do latifundiário Paulo Honório é a do próprio espírito do senhor das terras que pode tudo e estimula,pressiona e obriga a fuga contínua a população rural atrás do nada oferecido pela cidade.

GRAÇA,O SENHOR DA CONCISÃO

Senhores:por que Graciliano Ramos se transforma num romancista e contista transcendental, ultrapassa fronteiras do planeta e ganhou traduções em mais de 70 idiomas?

Porque criou a concisão, a frase curtíssima que você não encontra nem em clássicos como Stendhal de Vermelho e Negro, em Tostoi de Guerra e Paz ou Proust de No Caminho dos Guermantes, da coleção magistral Em busca do tempo perdido.

Não se pode menosprezar a militância política exígua de Graça.

Contudo, dizer que ele era um comunista de carteirinha é tentar minimizar a grandiosidade do seu talento literário, como se a obra dele só tivesse ganho tessitura mundial por causa da presença partidária.

TIRANIA, REPRESSÃO, ISOLAMENTO

Em 1935 Jorge Amado, de Grabriela, Cravo e Canela lançou em São Paulo ao lado de Graça e por inspiração dele, segundo os anais, o embrião do que hoje a Ube-União Brasileira de Escritores.

O programa ficou em débito com o leitor graciliânico também quando não explicitou o tratamento tirânico-repressivo-isolacionista que a elite alagoana se habituou a emprestar aos alagoanos que se destacam na literatura como Artur Ramos, Jorge de Lima, Aurélio Buarque de Holanda e o próprio Ledo Ivo.

Haja paciência.

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