Ricardo Rodrigues
Bandido bom é bandido preso
Acuada pela violência desenfreada, a sociedade alagoana começa a ouvir propostas as mais diversas possíveis de como por fim à carnificina diária em nosso Estado. No entanto, a maioria dessas propostas ataca apenas as consequâncias, não vão direto às causas. Para mim, a maior violência é a fome a falta de educação. A violência não se limita aos latrocinios, aos parricidas, às execuções sumárias praticadas pelo tráfico e pela polícia. Não sei quem mata mais. Os presídios estão abarrotados de presos, nem por isso a violência recrudesce. A culpa é do governo, dos políticos e até da sociedade que termina contribuindo para manter gente incompetente e corrupta nos cargos públicos de maior relevância. Por isso, parte da sociedade começa a simpatizar propostas como a pena de morte. Mas será que e Estado tem o direito de matar?
Se fosse para matar bandido rico, até que a pena de morte poderia ter sentido, mas não é isso que acontece. Na prática, nem presos eles vão. Se fossem as cadeias não seriam tão inóspitas. Portanto, bandido bom é bandido preso, principalmente se for bandido do colarinho branco, ladrão do dinheiro público. Se for para radicalizar, no combate à violência, vamos mandar os corruptos para a cadeia ou o paredão. A começar por aqueles que se envolveram em escândalos recentes: Cachoeira, Mensalão, Sanguessuga, Taturana, Gabiru, Navalha, Precatórios e Letras. Seria uma medida profilática. Na medida em que os políticos tirineteiros são punidos, os fora-da-lei começam a botar as barbas de molho. Antes de cometer qualquer delito eles irão pensar duas vezes. Opa! Se for para fazer, que seja bem feito, caso contrário a casa cai.
A casa caiu para o Carlinhos Cachoeira – um contravetor contumaz, tão perigoso quanto qualquer gângster da máfia italiana. Seus tentáculos são muitos, alcançam todos os poderes, corrompem de senadores a ministros. Suas contas são abastecidas por empreiteiras e empresas fantasmas, que consomem verbas públicas desviadas de obras importantes, colocando em risco a vida de milhares de pessoas. Paredão nele! Paredão também para seu lacaio de plantão o senador Demóstenes Torres, aquele que até pouco tempo posava de vestal, arauto da moralidade. Paredão para corriola toda, inclusive para os governadores que viajaram nas asas da construtora Delta. Se a CPI aprofundar as investigações vai passar dos três: Perillo (PSDB/GO), Agnelo (PT/DF) e Cabral (PMDB/RJ).
Para o coronel Amaral, bandido bom é bandido morto. Saiu-se com essa quando seus policiais protagonizaram a chacina do Solares. Até hoje ninguém sabe onde o dinheiro roubado pela quadrilha chacinada foi parar. Sumiu. Evaporou. Tomou doril. O coronel ganhou fama de algoz de bandido. Bandido pobre, já que mandou soltar Severino da Bananeira, fato investigado pela CPI do Narcotráfico. Foi o coronel tabém quem mandou comprar por recursos públicos armas contrabandeadas. Uma operação completamente atípica para os padrões do serviçi público. E o pior: foi executada por três delegados de polícia e um chumbeta. Eles viajaram numa viatura da SSP. As armas chegaram, mas ninguém sabe ao certo como foram utilizada. Dizem que parte delas distribuida com políticos com histórico de violência.
Dizem também que a época do coronel Alagoas a bandidagem evitava Alagoas, passava direto de Sergipe para Pernambuco. Corria a boca miúda que o coronel não deixava barato. Para ele, como bandido bom é bandido morto, quanto mais morto melhor. No entanto, conta lenda, que Amaral, durante as execuções, sempre poupava a vida de um, para que este saisse espalhando entre a bandidabem a fama do coronel alagoano. Foi comandando a polícia com pulso forte e muitas vezs fazendo justiça com as próprias mãos, que o lendário coronel se impôs e até hoje é uma espécie de mito para quem gosta do seu estilo. Dizem que ele tinha até um cemitério clandestino particular, onde os delinquentes incautos eram sepultados em covas rasas.
Meu amigo ‘Bola Sete’ quase morre quando desenterrou ossadas em um cemitério clandestino que existia por trás da fábrica da Coca-Cola, no Distrito Industrial de Maceió, no final d década de 70. Precisou fugir de Alagoas, depois que publicaram a reportagem com sua foto na capa do jornal. Quando o coronel viu aquela foto, perguntou: “Eu conheço esse neguinho?”, disse, mostrando a capa do Jornal de Alagoas para um assessor. “É o Bola, coronel”, confirmou o bajulador. Quando o repórter passou pela Secretaria, no Campos Tamandaré, e colocou a cara na porta entreaberta para cumprimentar o secretário, o coronel ameaçou: “Vou quebrar suas pernas, neguinho!". Bola fechou a porta e picou a mula. Deixou a SSP com mais de mil.
No mesmo dia, Bola já estava em Arapiraca, escondido na casa de amigos. De lá, deixou a família no interior da Bahia e foi para Salvador, com uma carta de recomendações do sindicalista Freitas Neto para tentar o emprego na capital baiana. Depois de alguns contatos, estava tomando uma gelada num bar na base do Elevador Lacerda, quando reencontrou Valfran, com quem trabalhou em Maceió, no Jornal dos Municípios. Com o amigo, foi para Aracajú onde trabalhou no jornal do ex-prefeito Heraclito Rollemberg, onde trabalhou até reencontrar Fernando Collor na capital sergipana. O reencontro foi tão frutífero que o ex-presidente o convidou para retornar à terrinha. Nessa época, Collor era prefeito biônico de Maceió e Bola veio trabalhar com ele até o fim do mandato, quando o amigo deixou a prefeitura para se candidatar a deputado federal.
Eleito, Collor foi para Brasília e só voltou de lá candidato a governador, com o apoio do então deputado federal Renan Calheiros. Bola ficou em Maceió e trabalhou em vários jornais, mas nunca se aprumou na profissão que abraçou desde muito jovem. Trabalhou no Correio de Maceió, que funcionava no Centro da Cidade, onde hoje é a Pegasus, e onde mais tarde o filho do ex- governador Geraldo Bulhões matou um empregado, dentro do escritório da gráfica. Quase em frente ficava o 1º DP, na esquina do antigo Bar do Duda, e em cima ficava a hospedaria Monalisa, onde morava meu amigo jornalista Petrúcio Vilela. Foi ali, naquela mesma esquina da Rua das Árvores, onde mataram Tobias Granja. Na época, o jornalista assassinado escrevia para a revista O Cruzeiro sobre o banditismo em Alagoas.
São histórias que se cruzam. É a roda-gigante da vida. Naquela época, o deputado que hoje defende a pena de morte e gosta de repetir “bandido bom é bandido morto” era moleque de redação, onde Bola Sete já atuava como repórter policial. Três décadas se passaram. Hoje, parlamentar eleito graças a ajuda da emissora onde trabalha, o deputado esnoba o amigo que comparece a seu gabinete para medir uma ajuda. Na redação do Jornal de Alagoas, o deputado começou como contínuo e ia buscar o dinheiro da cerveja, liberado por comerciantes, para colegas da redação. A profissão de jornalista não era reconhecida e as redações tinham alguns “facadistas”, que se aproveitavam do cargo para ganhar algum dinheiro no trato com as fontes.
Atitudes com essas, infelizmente, até hoje persistem, apesar da profissão ter sido regulamentada e desrespeitada pelo Supremo. Mas não ficou por isso mesmo, há uma PEC tramitando no Congresso restabelecendo a exigência do diploma, para evitar que figuras bisonhas transformem o jornalismo em balcão de negócio ou trampolim para conquista de um mandato. Jornalista que vira político e defende a pena de morte, deveria primeiro defender a pena capital para bandido de colarinho branco. No entanto, seria esperar demais de quem entrou na política como um lambe-botas, um pau mandado a serviço dos poderosos. Portanto, deputado, antes de repetir que bandido bom é bandido morto, repita que bandido bom é bandido preso, principalmente quando for bandido do colarinho banco.
Para encerrar, deixo esta frase que eu li pintada num muro da cidade de São Paulo: "Cada escola que se abre é uma cadeia que se fecha".
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