Antônio

Intolerância religiosa a umbanda por parte da IURD

Intolerância Religiosa é um termo que denomina a incompreensão, a falta de reconhecimento e respeito por uma determinada religião. Pode-se atribuir como causa diversos fatores como: religiosos, etnocentristas ou simplesmente por falta de conhecimento e informação.

Cabe ao presente artigo discutir a intolerância religiosa como fruto de divergência religiosa, ressaltando a perseguição da Igreja Universal do Reino de Deus aos Umbandistas.

Atualmente, a lei 11.635 referendada em 27 de dezembro de 2007 pelo Ministro Gilberto Gil e sancionada pelo Presidente Luis Inácio da Silva, estabeleceu o dia 21 de janeiro como o dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa.

Aponta-se como provável causa da escolha por essa data o aniversário de falecimento da Mãe Gilda de Ogum, mãe-de-santo que sofreu um infarto fulminante após ver seu nome e imagem atrelados a uma reportagem do Jornal Folha Universal da Igreja Universal do Reino de Deus em uma matéria intitulada “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes” e ter seu terreiro invadido por fiéis neopentecostais.

É sabido que o Brasil é um dos países mais ricos em diversidades étnicas, constituído por uma pluralidade cultural e religiosa, mas que ainda possui uma dificuldade imensa em conviver com o diferente. Convivemos com o preconceito, tentamos maquiá-lo, porém fica nítido que ainda participamos do branqueamento da história, que se nega, ou melhor, recusa-se a aceitar a presença da influencia negra e de suas religiões. Em especial no que diz respeito aos cultos religiosos de matriz afro-brasileiros – a Umbanda.

A grande maioria das pessoas é influenciada pelo senso comum de que a Umbanda é coisa do mal, primitiva e pagã. Aponta-se para tal repudio diversos fatores, porém o que nos chama mais atenção é a crueldade na qual o Bispo Edir Macedo descreve a Umbanda.

Em seu livro publicado pela Editora Gráfica Universal Ltda., no ano de 1990 intitulado “ORIXÁS, CABOCLOS E GUIAS: Deuses ou Demônios?” O Bispo Macedo faz uma análise preconceituosa, distorcida e ofensiva sobre a Umbanda e suas entidades.
O que nos chama mais atenção para o conteúdo de tal livro, é a influencia que ele exerce sobre os “seguidores” de tal religião. Ele insufla seus fiéis a serem preconceituosos e a desrespeitar os umbandistas

“… o bispo Macedo tem desencadeado uma verdadeira guerra santa contra toda obra do diabo. Neste livro, denuncia as manobras satânicas através do kardecismo, da umbanda, do candomblé e outras seitas similares; coloca a descoberto as verdadeiras intenções dos demônios que se fazem passar por orixás, exus, erês, e ensina a fórmula para que a pessoa se liberte do seu domínio.”

Mesmo tido como um país laico, o Brasil desenvolve uma espécie de mecanismo para recusar religiões de matrizes africanas. Ao longo do período colonial, os negros escravos foram proibidos de cultuar seus deuses e impostos à catequese; durante o estado novo observa-se uma grande repressão aos terreiros que ao mesmo tempo em que eram reprimidos também eram explorados, pois para atuarem precisavam pagar altos impostos.

Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu 5° artigo, observa-se uma grande conquista, pois estabeleceu que todos fossem iguais perante a lei, garantindo aos residentes no Brasil liberdade, igualdade e segurança. Cita também a liberdade que o cidadão brasileiro terá para exercer cultos religiosos, garantindo proteção aos locais de culto e liturgia.

Diz o Art. 5°: “Todos são iguais perante a lei. […]
VI. É inviolável a liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

Sendo assim, conclui-se que a liberdade religiosa tem respaldo constitucional. Porém a realidade é outra. Diariamente, observamos atos de preconceito religioso, mas no que concerne a Umbanda pouco se tem feito para evitar.

O livro “Candomblé – Diálogos fraternos para superar a intolerância religiosa”, de Rafael Soares, enumera alguns casos para ilustrar o grau assustador do desrespeito e do preconceito aos candomblecistas e umbandistas:

“Encontradas em orelhão do Shopping Iguatemi, de Salvador, BA, frases que comparam Senhor do Bonfim e Oxalá ao Diabo. […] A ialorixá Jacira Ribeiro dos Santos, do Terreiro Axé Abassá de Ogum, em Itapuã foi agredida fisicamente e verbalmente por dois evangélicos da Assembléia de Deus.”

Como se observa, o dia em que haverá respeito à liberdade religiosa que o cidadão possui garantida por lei está longe. Um exemplo prático de desrespeito é o livro que o Bispo Edir Macedo escreveu, e que consequentemente incitou seus fieis a serem preconceituosos será usado para elucidar a intolerância religiosa a Umbanda por parte dos evangélicos.

“Sempre desejei colocar em um livro toda a verdade sobre os orixás, caboclos e os mais diversos guias, os quais vivem enganando as pessoas e, fazendo delas "cavalos", "burrinhos" ou "aparelhos", quando Deus as criou para serem a Sua imagem e semelhança.”

Para quem não possui conhecimento sobre a ideologia umbandista, quem desconhece o significado dos rituais e para quem não sabe o que é e quem são os orixás, as palavras usadas para denominar a Umbanda na concepção de Edir Macedo pode até ser palpáveis, ainda mais quando mais de dois milhões de pessoas o enxerga como ídolo e símbolo de pureza.

Primeiramente, associar um Orixá ao demônio para um umbandista soa como comparar Nossa Senhora Aparecida ao Diabo para um católico. O desrespeito ao primeiro é o mesmo que o segundo.

Um orixá é um deus que representa um elemento da natureza, segundo Patrícia Birman, orixás são divindades africanas relacionados com determinados domínios da terra. Não existe nada de diabólico, como prega muitas pessoas.

Segundo Vagner Gonçalves, os cultos afro-brasileiros, por serem religiões de transe, de sacrifício animal e de culto aos espíritos, têm sido associados a certos estereótipos como “magia negra”, o que pode ser explicadas pelo fato dessas religiões serem originarias de segmentos marginalizados da nossa sociedade: “coisa de negro”.

A Umbanda é a síntese do encontro da cultura e da religião de três povos: índios, negros e brancos. A soma das crenças destes três deu base para a doutrina da Umbanda, mais tarde somada a preceitos espíritas da corrente kardecista.
“O povo brasileiro herdou, das práticas religiosas dos índios nativos e dos escravos oriundos da África, algumas ‘religiões’ que vieram mais tarde a ser reforçadas com doutrinas espiritualistas, esotéricas e tantas outras que tiveram mestres como Franz Anton Mesmer, Allan Kardec e outros médiuns famosos. Houve, com o decorrer dos séculos, um sincretismo religioso, ou seja, uma mistura curiosa e diabólica de mitologia africana, indígena brasileira, espiritismo e cristianismo, que criou ou favoreceu o desenvolvimento de cultos fetichistas como a umbanda, a quimbanda e o candomblé.”

Edir Macedo parte do pressuposto etnocentrista de que as demais doutrinas religiosas são pagas. Somente a doutrina seguida pela Universal do Reino de Deus é a certa. Ao longo de seu livro os orixás são comparados a demônios de forma continua.

“No candomblé, Oxum, Iemanjá, Ogum e outros demônios são verdadeiros deuses (…) Na umbanda, os deuses são os orixás, (…)Na realidade, orixás, caboclos e guias, sejam lá quem forem, tenham lá o nome mais bonito, não são deuses. (…)são espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio para se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo.”

Ao longo de seu livro, além de ironizar as mães e pais de santo, os orixás, o culto religioso, fica nítido o desejo de Macedo de insuflar seus fieis contra o povo umbandista. Macedo descreve possíveis formas de contrair um demônio, tais como a convivência com um umbandista, até a comida feita por um.

Algo além do preconceito é a acusação de que a comida feita pelas baianas seria nociva a saúde. Fato que sabemos que é inócuo. “Todas as pessoas que se alimentam dos pratos vendidos pelas famosas baianas estão sujeitas, mais cedo ou mais tarde, a sofrer do estômago. Quase todas essas baianas são filhas-de-santo ou mães-de-santo que “trabalham” a comida para terem boa venda”.

A idéia da possessão também é discutida no livro de Macedo. Sempre de uma forma distorcida e preconceituosa, ele a descreve como “estado em que uma pessoa é possuída por espíritos imundos”. Na verdade, trata-se de uma mudança radical, que segundo Patrícia Birman coloca em cheque várias idéias preconcebidas que cultivamos na nossa cultura. Possessão é o contato com o sobrenatural, em poucas palavras, uma pessoa recebe em seu corpo o espírito de outra.
Uma vez possuída a pessoa age sobre a vontade do espírito que a tomou. A pessoa possuída se torna irreconhecível. A idéia de possessão não está vinculada somente aos cultos afro-brasileiros. Aqui, em nosso país, esse fenômeno se apresenta em muitos cultos distintos que seguem princípios religiosos variados.

Até mesmo uma lista de sintomas que indicam que a pessoa está possuída o Bispo Edir Macedo tratou de formular. Esta lista possui 10 sintomas como: nervosismo, dores de cabeça constantes, insônia, medo, desmaios ou ataques, desejo de suicídio, doenças que os médicos não descobrem as causas, visões de vultos ou audição de vozes, vícios e depressão.

Tendo formulado os sintomas de como a possessão se manifesta, Macedo faz outra afirmação que deixa nítido o preconceito e o desrespeito:
“O diabo tem tentado confundir o povo e até certo ponto tem sido bem-sucedido. O Brasil, por exemplo, tem mais de um terço da sua população nas suas garras. São mais de 40 milhões de espíritas que estão enganados e precisam conhecer a verdade só revelada por Jesus. O que sobra da população brasileira, ora vive consultando os "guias" nos terreiros, ora vive amedrontada e escondida. Poucos são os que têm a coragem de entregar a Cristo suas vidas e se alistarem na luta contra o diabo e seus demônios.”

Edir Macedo afirma que o diabo anda pelas ruas a espera de uma vítima. Um suposto auxiliar da criatura maligna induz os bons a frequentarem os terreiros, para que lá recebam o demônio. Para ele, o fato de se entrar em um terreiro, ou mesmo conviver com um umbandista é motivo suficiente para estar possuído por um demônio.

Segundo Macedo, “Essa religião tão popular no Brasil é uma fábrica de loucos e uma agência onde se tira o passaporte para a morte e uma viagem para o inferno”.

Desde o inicio dos tempos, cada sociedade buscou entender o homem e sua origem. A busca pelo entendimento de como a humanidade e tudo que está a sua volta se formou foi sempre uma duvida em todas as sociedades, e cada uma delas desenvolveu um mito.

Segundo a tradição cristã, por exemplo, foi Deus quem criou tudo; já para os africanos foi Olorun o criador do mundo, e, ao criar os seus orixás, terminou de criar tudo o que existe na natureza.

Na concepção umbandista, cada individuo tem um orixá, que possui a necessidade de ser alimentado. Ao identificar o orixá, determina-se que tipo de oferenda é a correta. Exemplo: se uma pessoa possui como orixá Iemanjá, é errôneo oferecer a ela cachaça numa encruzilhada, já que esta é a preferência dos Exus.

É o orixá que determina fatos que aconteceram na vida de uma pessoa, assim como o comportamento desta. Essa personalidade segue as características de seu orixá.

Ao descrever o que são as oferendas, e como elas são feitas, Macedo resume a oferenda a um orixá como pacto com o demônio para conseguir algo em troca.

Em poucas palavras, o bispo da Universal define-as assim:
“Muitas pessoas estão hoje nas mãos dos espíritos demoníacos devido à impaciência. (…) Quiseram a solução rápida, a resposta imediata; não se preocuparam com o meio correto para alcançá-las. Conclusão: acabaram perturbadas, doentes e endemoninhadas. É aí que entra a umbanda, quimbanda, candomblé (…), que são os principais canais de atuação dos demônios, principalmente em nossa pátria. Os "trabalhos" e "despachos" são exigências dos demônios e podem ser os mais variados possíveis, indo de comidas e bebidas até os mais diversos presentes. (…) Todos os trabalhos e despachos têm uma única finalidade: satisfazer ao "santo" para conseguir favores, a curto prazo. É feito um negócio entre a pessoa e o demônio.”

Segundo a crença umbandista, os orixás interferem na nossa vida, por isso os rituais são feitos especialmente para homenageá-los. As oferendas oferecidas a eles são os despachos feitos em locais que imaginam que os orixás possam estar. Exemplo: as oferendas oferecidas a Iemanjá – por ela ser uma divindade das águas salgadas – são feitas no mar ou nas praias.

Ao longo de seu livro, Macedo descreve sua igreja como o lugar perfeito para manter-se em contato com Deus, reduz as praticas umbandistas e esotéricas a atividades satânicas cujo único intuito é causar o mal.

Vale lembrar que o homem que tanto prega a Deus, o que mais vem demonstrando, ao longo de sua carreira, é o desrespeito às demais religiões.

Um artigo da revista VEJA mostra o grau da intolerância religiosa que Edir Macedo incita em seus fieis:
“A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa entregou ontem ao presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), Martin Uhomoibai, e à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial relatório que diz existir uma “ditadura religiosa” promovida pelos neopentecostais no Brasil. O documento aponta a Igreja Universal do Reino de Deus como propagadora da intolerância religiosa no país, incitando a perseguição, o desrespeito e a “demonização”, especialmente da umbanda e do candomblé”.

Se o preconceito não estivesse presente nas falas de Edir Macedo, provavelmente não veríamos lastimável fato. Constantemente seu nome está ligado a episódios dramáticos de preconceito.

Seu livro “ORIXÁS, CABOCLOS E GUIAS: Deuses ou Demônios?” foi tão preconceituoso, que sua venda foi suspensa.

“A juíza Nair Cristina de Castro, da 4ª Vara da Justiça Federal da Bahia, determinou na noite de quarta-feira (9) a suspensão da venda do livro "Orixás, Caboclos e Guias Deuses ou Demônios?”escrito pelo bispo Edir Macedo, (…) A ação civil pública contra a venda do livro foi movida pelos procuradores Sidney Madruga e Cláudio Gusmão, que consideraram a obra “degradante, injuriosa, preconceituosa e discriminatória em relação às religiões afros-candomblés umbanda e quimbanda”.

Sendo assim, fica nítido que o mau exemplo dado por um líder religioso como Edir Macedo só faz aumentar o preconceito contra as religiões de matrizes afro, e anula quaisquer possibilidades de erradicar a intolerância religiosa.

Em uma sociedade cujo homem desfruta do livre arbítrio, o que deve predominar é o respeito à pluralidade e as diversas formas de manifestações divinas.

Episódios tristes diariamente chamam nossa atenção no que concerne ao preconceito que os adeptos das religiões afros sentem. Terreiros constantemente são invadidos por fiéis das igrejas neopentecostais da Universal do Reino de Deus. Tal preconceito reflete nas ruas, nas escolas e em locais públicos como hospitais.

Considerado como um país laico, o Brasil deveria oferecer liberdade religiosa a todos. Podemos observar que tal direito restringe-se somente aos papéis, pois aqueles que seguem uma doutrina diferente daquelas predominantes ficam sujeitos a serem rechaçados e ironizados, como é o caso dos milhares de adeptos das religiões afro que acabam por serem denominados por macumbeiros, palavra de significado deturpado, pois na realidade significa antigo instrumento musical de percussão.

Ao longo da historia observa-se diversas formas de se explicar Deus, seja de forma politeísta ou não. Cada sociedade deve ter o direito de expressar suas crenças, assim como todo cidadão também, ainda mais quando existe um respaldo jurídico como no Brasil. Independente de credo ou etnia o importante é manter o respeito à diversidade cultural.

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