Reinaldo

Como nos tempos de Getúlio Vargas

COMO NOS TEMPOS DE GETÚLIO VARGAS, PARTIDARIZAÇÃO INIBE INICIATIVA E CRIATIVIDADE NO PAÍS

A partidarização das artes e do setor cultural possibilitada pelo processo eleitoral delimitou, pela primeira vez com grande clareza, o esquadrinhamento político de uma área travestida, desde o começo da República, como independente mas à margem do poder nos momentos cruciais das nossa história, como na primeira ditadura Vargas (1938-1945).

Da vitória de Dilma Rousseff (PT), a primeira mulher presidenta do Brasil, reemergiu o grupo de intelectuais e artistas brasileiros proclamador e difusor do “pensamento único”. No primeiro e segundo governo Lula, o grupo emplacou o cantor e compositor Gilberto Gil, não sem antes tentar colocar a primeira dama do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, no Ministério da Cultura. Consciente das implicações políticas disso, ela demonstrou a grandeza de não aceitar o convite.

Comparadas com os governos brasileiros anteriores, as relações dos intelectuais com o poder modificaram-se na proporção da água para o vinho. Daí uma avaliação sobre essa situação hoje ser um tema paradoxalmente saudável, inquietante e comprometedor.

Quando o pensador italiano Antonio Gramsci defende o engajamento dos intelectuais – ou artistas – no poder, não está se referindo a esse tipo de envolvimento promíscuo observado nos oito anos de governo Lula com os artistas, muitos dos quais se enfileiraram em busca de financiamentos/patrocínios para suas peças, shows, filmes, livros, obtendo apoios entre o Ministério da Cultura e a Petrobras bem superiores a R$ 2 bilhões, em prejuízo a projetos que descentralizariam os investimentos em cultura do eixo Rio-São Paulo. Não se vê com clareza até onde esse engajamento trouxe benefícios ao setor cultural como um todo.

Da mesma forma que o regime militar formou seu time de intelectuais defensores na imprensa e alguns veículos oportunizaram recursos financeiros do regime para sua expansão material, como a própria Rede Globo, seguiu-se, bem depois, já no governo FHC, a formação do núcleo intelectual da social-democracia para alinhavar as possibilidades da implantação de um novo sistema político na sociedade brasileira.

Quer dizer: a adesão trabalhada a Dilma, além de ter representado a criação de um canal através do qual o setor indicou nomes para as áreas culturais, influenciará a qualidade da produção intelectual doravante. Daí que essas relações, tudo indica, se trarão algum benefício para o setor do ponto de vista quantitativo, do ponto de vista qualitativo nada garantirão no sentido de abandonar o patamar atual – ou seja, quase zero.

Estão todos engolfados pelos apadrinhamentos e patrocínios. Atitude que espantaria até Sartre, que pensou ter deixado uma contribuição capaz de ser útil na orientação desses novos cristãos com o poder.

Daí, pergunta-se: qual a credibilidade desses cantores, músicos, filósofos, compositores, autores, escritores, como cidadãos e artistas, perante a população que durante anos consumiu sua produção para se ver, hoje, ludibriada?

Quando escrevi e publiquei um livrinho intitulado Literatura e poder pós-64 (www.estantevirtual.com.br), Edições Opção, de grande repercussão à época (1978), adotado pelo professor José Marques de Melo, na Faculdade de Comunicação e Artes da USP – onde os estudantes destruíram a trajetória do livro ao distribuí-lo xerocado às escâncaras –, o qual exibia a convivência de um grupo de intelectuais com a repressão militar do regime ditatorial, não imaginei que, mais de 40 anos depois, a nova classe intelectual que a substituiria seria constituída por gente tão leviana. Ouso até supor que se Mário Lago ou Carlos Drummond de Andrade, ou o poetinha Vinicius de Moraes e Tom Jobim fossem vivos dificilmente estariam aliados aos oportunistas.

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